sexta-feira, 26 de abril de 2013

"EU VIM VENDIDO PRO GOIÁS"

Construção de Brasília, 1959, Luiz Carlos Barreto.
Fonte: http://www.colecaopirellimasp.art.br/autores/167/obra/587

Relendo o livro A construção de Brasília: modernidade e periferia de Luiz Sérgio Duarte da Silva - que aliás foi meu orientador no mestrado - me deparei com um trecho de depoimento de um 'candango' que havia passado batido nas leituras anteriores. Fiquei encucado. 
Trata-se de um trecho do quarto capítulo intitulado "A construção de Brasília como experiência moderna na periferia capitalista: aventura e alienação", dentro da primeira seção: A aventura, onde Da Silva reconstrói, através de um diálogo entre a memória dos construtores e uma teoria da modernidade crítica da ideologia do progresso, a experiência singular vivida pelos indivíduos que se dispuseram a participar do grandioso projeto desenvolvimentista na região de fronteira.
Especificamente o trecho está situado junto com outros depoimentos que evidenciam a experiência da aventura rememorada pelos depoentes, que são divididos em duas categorias entre aqueles para os quais a aventura é uma reconstrução e outros em que ela é uma "simples possibilidade construtiva". O trecho do depoimento que transcrevo abaixo situa-se na segunda categoria:
Eu para mim... pra minha vida... como eu falei para vocês que eu trabalhava numa roça na Bahia, e vim VENDIDO pro Goiás e EU VIM VENDIDO PRO GOIÁS e eu vim viver aqui dentro do DF. Pra mim tudo... a construção de Brasília... E eu devo a minha vida a Brasília... E tudo que eu aprendi foi em Brasília. Foi onde eu tive a oportunidade de aprender alguma coisa foi em Brasília. [Bispo I] (1997: 84)
Como assim, vendido? Houve um tráfico de escravos em pleno momento moderno da nação? Infelizmente Da Silva não aprofunda a questão e assim não podemos ficar sabendo quem foi Bispo I, e principalmente qual o significado da afirmação: "eu vim vendido". Há outro trecho quando trata da "democracia da fronteira" em que aparece novamente depoimento de Bispo I:
Nessa época não podia achar que nego não sofreu, porque não tinha jeito, não é? ... Mas, a gente não sofria tanto, de que... alguns problemas que a gente sente hoje porque parece que não tinha maldade sabe? Nas pessoas então tinha assim... parece que era tudo irmão. Era engenheiro, era peão, tudo assim aquela coisa. (Idem: 81)
Este depoimento ajudava a confirmar uma "experiência autêntica", produtora da crença da construção de uma "cidade de tipo novo", onde se poderia viver uma "vida diferente". Para Da Silva, os construtores "experimentaram a rara junção de trabalho e felicidade" (ADORNO), o que contribui para que suas lembranças, não emergissem como mera idealização, mas evidenciando um exemplo de sabedoria. Sendo os depoentes definidos como narradores que aconselham, proporiam um conselho para o presente, o de que aquele momento singular no canteiro de obras e nos espaços de sociabilidade que se materializava na aventura as relações humanas aproximaram-se do ideal. Ideal corroído pela passagem do tempo e pela transformação dos sonhos em novas realidades menos heroicas e mais desiguais.
Já perguntei ao professor Luiz Sérgio Duarte da Silva sobre o significado do "EU VIM VENDIDO",   aguardemos a resposta...

Um comentário:

  1. Segundo Sérgio Bispo é um sobrenome. Como aconteceu em Goiânia muita gente que veio do nordeste. As construções das capitais abrem o interior do Brasil para o Brasil. Quanto a escravidão é porque bispo disse que era filho de escravos. Ele conta sua experiência de modernização. Alguém que conta a história de si, e liga a sua biografia a construção de uma nova cidade de fronteira, reconstruindo a sua própria vida.

    ResponderExcluir