sábado, 1 de novembro de 2014

Atenção: guru da paranoia envia comunicado urgente

A conceituada agencia True Outspeak envia comunicado aos paranoicos da resistência.

Está comprovado que o Papa Francisco atua na linha de frente da articulação para o golpe comunista.

A primeira fase do golpe já está em estágio avançado. Trata-se da paralisação do parque industrial paulistano, através de sabotagem na distribuição de água. Esta ação possivelmente é comandada pelo Camarada Peterovsky de quem Francisco é muito próximo.

Uma das primeiras medidas dos comunas, após o golpe, será o envio dos paranoicos para unidades de reabilitação no deserto da Cantareira,  geridas por Oséias 4 e 20. Os paranoicos serão obrigados a afastar-se das carreiras e arrumar a própria cama, sem direito ao auxílio reclusão, assinaturas da Abril e Globosat. Os que não forem enviados para as unidades de reabilitação terão de se contentar com o Beto Carrero World, Magazine Luiza e médicos da família cubanos. Não passarão, lutaremos pela memória de Justo Veríssimo.

Entrada de uma unidade de reabilitação.
A agência ainda alerta para a tática espúria de plantar provas para incriminar agentes da paranoia. Toda cautela é necessária. Apesar do prejuízo aos nossos cofres, não podemos desistir. Não esmoreça e atue nas redes sociais pela disseminação da paranoia, siga o exemplo do bravo Renato Pachoal. E cuidado, não comemore antes da hora, isso poderá arrefecer os ânimos dos combatentes. Acesse o canal de nosso historiador e faça os cursos de formação, sintonize nosso canal de tv não é nenhuma Escola de Júpiter, mas é o melhor dentro do padrão obscurantista que nos guia.


Após consulta aos astros o guru da resistência paranoica envia mensagem luminosa: "o cordeiro da salvação veste pele de lobo". Para se juntar a ele basta seguir as orientações do Messias Bolsonaro e do ungido Malafaia.
Anauê!
Não deixe de acessar o ensaio crítico da jornalista e musa ariana, voltado especialmente para o aprimoramento das técnicas onanistas, fundamento básico da direita festiva:




domingo, 26 de janeiro de 2014

FUNK OSTENTAÇÃO É HIP-HOP, MAS O HIP-HOP NÃO É SÓ ISSO

Branded Head, Hank Willis Thomas, 2003.

O funk ostentação é hip-hop, o que não quer dizer que a cultura hip-hop resume-se à ostentação. O funk ostentação que se desenvolveu em São Paulo (Santos e Capital) no final da década passada  tem a ver com a tendência do rap que glamoriza o estilo PIMP (Cafetão/Proxeneta). Desenvolvo algumas questões para tentar convencer o leitor sobre a validade desta afirmação.
O PIMP é o estilo gangsta na versão século XXI, que renovou e reatualizou a linhagem iniciada nos fins dos anos 1980 por Ice-T, ampliada por 2 Live Crew, aprofundada por N.W.A., aprimorada por Dr. Dre e Snoop Dog, tomando um caminho sem volta com 2Pac e Notorious Big. O estilo PIMP foi muito bem defendido por 50Cent em seu disco de estréia de 2003, Get Rich or Die Tryin' (Fique rio ou morra tentando), e ele conseguiu, é o típico self made man - 50Cent na Forbes.

Em 2013 50Cent lançou o clipe de We Up, com Kendrick Lamar - a nova revelação do rap estadunidense-, reafirmando a tendência, ostentando mulheres, jóias, carros, marcas. Interessante que a semelhança do sertanejo arrocha com o estilo PIMP  não é mera coincidência, é pura ostentação. A ostentação e as excentricidades não se limitam aos artistas dos gêneros "malditos", melhor dizer amaldiçoados, inclusive quando suas obras são criticadas como "não música".
A excentricidade e a ostentação estão presentes no rock, em outros gêneros musicais e outras artes, típico da performance da celebridade, por exemplo: Nick Mason e suas Ferraris; os carros de Nikki Sixx; Frank Sinatra e a máfia; a oração de Janis Joplin por uma Mercedes Benz. Seria uma lista infindável.
Voltemos a We Up, nela os rappers rimam a vida complicada de milionário, afirmam como deram duro para conquistar riqueza, e como serão duros para manter as conquistas. Criticam os aproveitadores e se gabam de não serem negros como aqueles que usam falsificações. Saíram do gueto, mas hoje têm estilo e poder para adquirir "good pussy for dinner/ bomb kush for breakfast":

No documentário sobre o funk ostentação produzido por Kondizila podemos conferir as afinidades temáticas e performáticas entre os dois estilos. O que faz o funk ostentação ser hip-hop são elementos básicos: música para a dança, uso da antifonia (chamado e resposta), bases musicais produzidas através de samplers e programações, rimas geralmente em primeira pessoa, caracterizadas por improviso e bazófia, artistas, em geral,  negros e de classe baixa, enfim, marginalizados, produzindo crônicas sobre o cotidiano vivido por eles. Parte da juventude urbana que é, justamente, aquela que corre mais risco de morrer antes da velhice, o que ajuda a entender o lema do Vida Loka: "viver pouco como um rei, ou muito como um zé?":

O rap nacional, que seria o hip-hop real, não deixa por menos, de Cabal à MV Bill, passando pelo time da Bagua Records. Os manos Claudinho e Lethal me disseram, porém, que o verdadeiro PIMP brasileiro é o Mr. Catra.

É possível retroceder um pouco para pensarmos a questão das relações ostentatórias dos artistas negros com as grandes marcas. No livro Sem Logo: as tiranias das marcas em um planeta vendido Naomi Klein argumenta que nos anos 1980 os jovens negros dos bairros pobres dos EUA serviram como fonte de "significado" e identidade para várias marcas. Abaixo reproduzo um trecho sobre o caso do grupo Run DMC e sua homenagem "espontânea" à marca Adidas. 
O mais recente capítulo na corrida do ouro do mainstream americano para a pobreza começou em 1986, quando os rappers do Run-DMC deram uma nova vida aos produtos Adidas com seu sucesso My Adidas, uma homenagem a sua marca favorita. Anteriormente, o trio de rap loucamente popular tinha hordas de fãs copiando seu estilo de assinatura e medalhões de ouro, abrigos Adidas preto e branco e tênis Adidas cavados, sem cadarços. "Calçamos esses tênis toda a nossa vida", disse Darryl McDaniels (também conhecido como DMC) de seus calçados Adidas na época.
Foi ótimo por algum tempo, mas depois ocorreu a Russell Simmons, presidente do selo Def Jam Records do Run-DMC, que os rapazes deviam ter sido pagos pela promoção que estavam fazendo para a Adidas. Ele abordou a empresa de calçados alemã sobre a possibilidade de destinar algum dinheiro para a turnê Together de 1987. Os executivos da Adidas foram céticos a respeito de se associar com a música rap, que na época era rejeitada como uma moda passageira ou difamada como uma incitação à baderna. Para ajudá-los a mudar de ideia, Simmons levou dois mandachuvas da Adidas a um show do Run DMC. Christopher Vaughn descreve o evento na Black Enterprise: "No momento crucial, enquanto o grupo de rap estava apresentando a canção [My Adidas], um dos membros do grupo gritou, 'OK, todo mundo balançando seu Adidas!' — e três mil pares de tênis foram atirados para o ar. Os executivos da Adidas sacaram seu talão de cheques com uma rapidez recorde." Durante a feira anual de calçados esportivos em Atlanta naquele ano, a Adidas revelou sua nova linha de calçados Run-DMC: a Super Star e a Ultra Star - "desenhados para ser usados sem cadarços".

Será que veremos algum acordo entre as marcas e os funkeiros que as ostentam?
Será que iremos nos deparar com a repetição da tragédia, agora como farsa?
Enfim, como canta MC Dede "quem pode, pode/quem não pode se sacode". E essa molecada está fazendo muita gente sacudir, sobretudo, quando os fãs que vivem em áreas sem equipamentos públicos de lazer - onde bailes são proibidos, muitas vezes com toque de recolher, encurralados entre a violência do crime organizado de farda ou à paisano, áreas nem um pouco parecidas com as paisagens da publicidade que alimenta a ostentação - saem para rolezinhos nos shoppings.

Se ser cidadão é ser consumidor, essa galera já entendeu. E é por isso que as marcas são para eles - como o são inclusive para quem não ostenta flagrantemente - fontes de "significado" e identidade. O problema são os atravessadores...

Decadência, degeneração? Que nada. A exploração, as discriminações, as violências, o racismo e as desigualdades seguem firmes e fortes. Nestor Garcia Canclini apontou algumas questões que valem repetir e refletir:
Enquanto as ações de massa não desenvolverem intervenções adequadas à extensão e eficácia da mídia, prevalecerão as dissidências atomizadas, os comportamentos grupais erráticos, conectados mais pelo imaginário do consumo e menos pelos desejos comunitários. (1999, p. 287)
Ou abraçamos o ideal utópico, como afirma o crítico argentino, na medida em que haja o desejo de que a "emancipação e a renovação do real continuem fazendo parte da vida social" ou seguiremos shaking our branding make, pois a Copa vem aí e dá-lhe ostentação. É possível acreditar que o apelo publicitário das marcas será sobrepujado pelo "say no to racism"? A nova diva do hip-hop nacional, Karol Konka, já está faturando, e não há nada demais, o perigo está na afirmação do esporte e da música como um fim e não como meio para a emancipação da juventude negra e pobre.

Como disse acima, o hip-hop não pode ser resumido à ostentação, e a atuação dos artistas vai muito além da imagem que se consome. Ao mesmo tempo, dentro do próprio hip-hop vem a auto-crítica e a chamada à responsabilidade pela defesa de um dos elementos chaves dessa cultura, defendidos por Afrika Bambaataa e muitos outros, o conhecimento e a consciência. Assim, quando GOG se nega a participar de evento da Fifa com a Rede Globo; quando sarais de poesia, a literatura marginal e o cine periferia desafiam as forças contrárias; ou quando Dexter questiona a fita dominada, temos ações emancipatórias, pois críticas do status quo, e que contribuem para a renovação do real.

O importante é que a liberdade para ser o que quiser ser, para consumir o que deseja sejam garantidas, assim como, o conhecimento sobre as origens das matérias primas -de onde vêm as matérias primas, as formas de produçãodescarte dos produtos entre outras questões, é preciso saber das consequências em abraçar o american way of life. Além do mais nós somos péssimos consumidores, não para as empresas é claro, pagamos caro, sem muita reclamação, em nome do status. Por outro lado, não prestamos atenção na atuação social das empresas, se elas apoiam programas sociais, ambientais, culturais, o que já ajudaria a amenizar o fosso, sobretudo se estes projetos estivessem onde o Estado não chegou, nas áreas de onde saem a galera dos rolezinhos. Em Diadema, por exemplo, a Casa do Hip-Hop onde foram realizadas várias atividades de formação e recreação por mais de dez anos, atualmente está às traças. O bom é que King Nino Brown, um dos criadores, está atuando na nova Casa do Hip-Hop em São Bernardo do Campo. Em Goiânia e Goiás também há também diversos coletivos e indivíduos fazendo a diferença, no break: Mega Break e Electro Rock; no rap a VMG e outras bancas; Dj Fox na produção de vídeo clipes; CRJ na formação; RapGyn e Marginal Latino na informação.

Outro questão a ser refletida é a falta de conhecimento sobre as leis de incentivo cultural, muitos hip-hoppers criticam, com a afirmação de que é um dinheiro dos políticos, e de que são independentes, mas não entendem que é um financiamento à base dos impostos pagos por pessoas físicas e jurídicas, aprender a fazer projetos para garantir o financiamento dos trabalhos autorais é de suma importância para garantir a emancipação. A história do Dexter é exemplar, pois para bancar as gravações de um disco buscou no 157 a saída, qual dinheiro será mais sujo, o das leis de incentivo ou o produto do crime? Porque o hip-hop crítico, politicamente posicionado, ou os projetos para o breakdance, para o audiovisual, para os livros não são artes que produzem retornos econômicos que os possibilitem sobreviver, e enquanto as empresas não invistam, como mero merchandising, as leis de incentivo são uma possibilidade, e mais, um direito irrefutável.

Não é fácil, porém, fugir às tentações e às dominações simbólicas e de fato. São estruturas poderosas e cambiantes disseminadas em micro-poderes. Desconstruir e re-construir o imaginário e as práticas deletérias é tarefa árdua e implica um esforço individual, coletivo e institucional imenso. Ainda há tempo. O importante é ter disposição para assumir o compromisso, junto com as contradições e fragilidades de nossa condição atual. O primeiro passo, creio eu, é entender que as culturas de juventude são fruto de condicionamentos históricos, lutas por representação e reconhecimento e não barbarismo atávicos ou degradação do humano. A partir deste entendimento é possível construir diálogos, pontes, redes no lugar dos muros, medos e violências.

Como professor e defensor da escola pública, me parece urgente a nós que estamos nas instituições educacionais construir canais de debate e agregar forças para o enfrentamento das demandas da juventude e das comunidades locais. É preciso canalizar esforços para que as escolas e universidades tornem-se espaços para o confronto de ideias franco e democrático, onde se possa aprender e reaprender com o outro. Mas será que estamos prontos para ouvir, a ponderar, a confiar em nossa capacidade e na capacidade das criança, jovens e seus familiares em construir projetos que contribuíam, verdadeiramente para o desenvolvimento pleno da criatividade? Criatividade esta que possa colocar em prática e renovar as relações com nós mesmos, com os outros e com o mundo que nos cerca através das artes, as ciências, os usos do corpo, as relações com a diversidade, a democracia e a liberdade? Pode ser que sim, desde que estes espaços dedicados ao saber e à sua re-construção contínua não sejam vistos como apanágios salvacionistas, mas sim como instrumentos para a emancipação e renovação do real em detrimento dos enquadramentos autoritários e repressivos e das vaidades egoísticas.

O hip-hop surgiu ao longo dos anos 1970 como resposta ao urbícidio, que segundo Marshall Berman, atormentou os moradores do South Bronx - um gueto de classe trabalhadora negra e imigrante. Parecia não haver saída diante de tamanha degradação gerada pelos deslocamentos forçados pela destruição de áreas residências para a construção da Cross Bronx Expressway. As forças da intervenção urbana, baseada na especulação imobiliária ajudaram a desintegrar laços comunitários e de vizinhança. A violência aumentou, com as taxas de homicídio subindo ano após ano. A população foi assolada por uma epidemia de droga que se alastrou por entre as ruas desoladas pelos incêndios que queimaram as áreas que não haviam sido destruídas para o empreendimento. Neste momento as subestações de Corpo de Bombeiro eram fechadas com o argumento de que a população estava diminuindo. Surgiram inúmeras gangues, inclusive para a proteção de quarteirões contra as ações de outras. E tudo isso quando as fábricas fechavam suas portas e migravam para outras regiões ou países, atrás de incentivos fiscais e mão de obra barata, deixando para trás inúmeros desempregados.

Foi naquele contexto de angústia e miséria que adolescentes em sua maioria negros e latinos criaram através da arte e da diversão novos laços comunitários, novas famílias que deram sentidos às suas vidas, fornecendo alento, abrigo, alegria, estilo e modo de vida, muitos passaram a viver da arte da dança, do grafite, como Dj ou rapper. Mas também serviu como instrumento para seguir adiante e abraçar outras possibilidades para além das contingências do urbícidio. Construíram um poderoso meio expressivo que continuou reverberando para outros territórios e dando sentido para a vida de muitos jovens, ao redor do mundo, que encontraram no hip-hop uma saída. Aí está força do hip-hop. Porém, como qualquer produto humano carrega contradições e fragilidades. Sem, no entanto, "passar pano", indicam que é preciso enfrentá-las, pois, "se tu luta, tu conquistas":


Para terminar, creio que o trabalho de Hank Willis Thomas -da imagem que abre a postagem-, artista estadunidense que criou em 2007 a exposição Unbranded (Sem marca), ajuda-nos a manter a reflexão sobre o real e o possível na sociedade de consumo contemporanea. As obras consistem em publicidades que tiveram os logos e slogans retirados para que os corpos negros falassem por si. Confira AQUI.

Referências:
BERMAN, Marshall. À beira do fim: Nova Iorque na virada do milênio. In: SERPA, E. C. ...et al. Narrativas da modernidade: história, memória e literatura. Uberlândia: EdUFU, 2011, pp. 69-92.
CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. RJ: UFRJ, 1999.

sábado, 25 de janeiro de 2014

MEGA-AMPULHETA - Wally Salomão

desde tempos imemoriais
fixei residência nesta sala de mixagem
cercado de Lexicon,
                  Syntaxis
                  Spatial Expander,
                  Omnix,
                  Scenaria,
                  Axiom,
                  Flyng Faders,
                                     compressores,
                                     condensadores.
e aqui estarei estarrecido
por toda eternulidade.
"pode a sorte separar-nos,
ou a morte de um ou de outro;
mas o amor subsiste, longe ou perto,
na morte ou na vida."
sobreviver ao recorte de Machado de Assis.
epitalâmio. epífita. epitáfio.
como se o tempo sucumbisse,
fora do escopo da máquina,
e pairasse, apenas, em algumas ilhas esparsas
da anacrônica memória pessoal.

[...] É um poema que fala de mixagem. Ele estava mixando um disco da Cássia Eller - e aí você pode passar duas horas e meia, três horas, quatro horas sem fazer nada, esperando que os meninos resolvam as coisas - e aí o poema dizendo os nomes dos equipamentos. Ele deve ter ficado horas, deve ter decorado o nome dos equipamentos, é muito engraçado.
Adriana Calcanhoto - A fábrica da canção
(Trecho de depoimento dado no II Encontro de Estudos da Palavra Cantada na UFRJ. Publicado em: MATOS, Cláudia Neiva de; TRAVASSOS, Elizabeth; MEDEIROS, Fernanda T. Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008, pp. 44-54.)

sábado, 6 de julho de 2013

BRASIL: UMA FALSIDADE POLÍTICA PERMANENTE


Fábio Konder Comparato

A Constituição Federal de 1988 abre-se com a declaração de que “a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito”. Na realidade, porém, o Estado Brasileiro não é republicano, nem democrático, nem tampouco um verdadeiro Estado de Direito.
Não é republicano, porque nesta terra, desde o Descobrimento, o interesse privado sempre prevaleceu sobre o bem público. Não é democrático, porque o povo nunca chegou a ter voz ativa na vida política. Enfim, não é um autêntico Estado de Direito, porque o grupo oligárquico, que sempre deteve o poder supremo e é a fonte primária de toda a corrupção, foge a qualquer controle jurídico.
Eis porque as últimas manifestações de protesto nas ruas das principais cidades do país constituem um fato histórico alvissareiro. Pode-se dizer que o povo cansou-se afinal do papel de mero figurante no teatro político e manifestou o desejo de assumir doravante a posição de verdadeiro titular do poder soberano.
Agora, é chegado o momento de o povo reivindicar o uso direto dos adequados instrumentos de decisão. Nesse sentido, tive oportunidade de elaborar e apresentar ao Congresso Nacional algumas proposições específicas.
A primeira delas é o Projeto de Lei nº 4.718, de 2004, cuja tramitação acha-se paralisada na Câmara dos Deputados. Ele dá ao povo a iniciativa de realização de plebiscitos e referendos, tendo por objetos principalmente a efetivação das normas constitucionais referentes à educação, à saúde e à previdência social. Ou seja, em vez de viver na vã esperança de receber, de tempos em tempos, pobres favores governamentais, o povo passará a exigir dos governantes o cumprimento do seu dever dar, mediante as políticas públicas adequadas, a constante efetivação dos direitos humanos de caráter social.
E se isto não acontecer? É aí que entra em jogo minha outra proposição, oferecida aos Senadores Eduardo Suplicy e Pedro Simon, e já transformada na Proposta de Emenda Constitucional nº 73, de 2005. Trata-se de dar ao povo o poder de destituir os agentes públicos por ele eleitos, antes mesmo de encerrado o seu mandato. É o recall, existente há muito tempo na Suíça e nos Estados Unidos.
Deus permita que os líderes dos principais movimentos sociais, que desencadearam as recentes manifestações de protesto, saibam unir-se para exigir a aprovação desses instrumentos de radical transformação do sistema político brasileiro!


quinta-feira, 30 de maio de 2013

MUSA VADIA

Marcha das Vadias, Goiânia, 07/07/2012 Fonte: http://goo.gl/tpUOP
Reproduzo reflexão do amigo Miguel, que musicalmente falando defende a rua como lugar de mulher.
Em Goiânia, capital de Goiás, terra de "coronelismo" latente e permanente algumas insistem em estar nas ruas afrontando a "boa moral", os "bons costumes", a "família patriarcal" e a "ordem pública".
Antes do texto, porém, um depoimento de Margarida Alves, paraibana, mulher do campo, uma musa vadia que pagou com a vida por estar no "espaço público" defendendo interesses dos "camponeses":
SOU BANDIDA, SOU SOLTA NA VIDA - 11/5/2013
Miguel dos Reis Cordeiro Neto
Foi desse jeito, completamente irreverente, que O Chico Buarque expressou a ideia de uma mulher feita sob medida para um homem. E acrescenta –  "sou perfeita porque, igualzinho à você, eu não presto". De fato, a ideia do Chico é muito complicada. Contudo, também muito interessante e de muito sentido no mundo pop. Haja vista o bordão, recentemente criado e lembrado por pessoas de todas as classes sociais que é aquele da Zorra Total, TV Globo, pra variar, quando a personagem Valéria, transformista, porque mandou pastar o pau do Valdemar, repete para a amiga de forma entusiasmada – "Ah! Como eu sou bandida!" 
Ação policial em Protesto Contra o Aumento da Passagem do Transporte Coletivo, Goiânia, 28/05/2013
A mulher que o Chico concebe, além de bandida, também é traiçoeira e vulgar, sem nome e sem lar, é filha da rua e cria da costela do homem que a cobiça. O que isso diz, afinal? Posso arriscar que a música do Chico é uma declaração de amor à rua. Rua aonde a moral burguesa não chega, aonde ninguém é de ninguém, aonde o palavrão vale muito, aonde a religiosidade e seu ideal de pureza passam longe, aonde, enfim, quem quer ficar solto na vida, tem grandes chances de conseguir. A magia da rua acontece na exata medida em que não é nada e é tudo: não é o lar, não é a família, não é a coisa moral, não é o politicamente correto, não é coisa de marido nem de esposa, não é coisa da escola nem da igreja, não é, principalmente, restrição à porra nenhuma que proíbe ou limita. A rua é o mundo, a liberdade louca, a coisa doida, o espaço da cobiça desbragada, do sexo quase explícito, ainda que pornográfico. 
O problema é que quem não é de nada, não topa nada e gosta de blefar que é "fodão", sem amarras e sem juízo, também quer estar na rua. Ainda que, apenas, simbolicamente. O Vinícius de Morais, que gostava muito da rua, mandava todos esses pra "tonga da mironga do cabuletê". 
A rua, por ser um espaço plural, também é um fenômeno de comunicação, de inclusão, de integração. Não existe para quem quer um momento de exceção, de libertação, de se colocar na esbórnia pra depois sair. Existe, antes, como oficina para a construção de mundos possíveis, de estados utópicos de alma, de viver "fora da nova ordem mundial", como diz o Caetano. Não é de gente que num momento de tédio procura o diverso, a diversão do diverso, a contramão do que é universo para, depois de distrair-se, voltar ao normal. 
Grandes e tremendas coisas foram feitas na rua: a revolução francesa, os diálogos irônicos de Sócrates, os atos de Cristo, conforme ele mesmo declarou a Pilatos, as caminhadas políticas de Gandhi, os discursos de Luther King e muito mais.
Realmente o Chico tem razão quando afirma que a mulher perfeita, feita sob medida está na rua, como ser político, filosófico, com a seríssima missão de desconstruir, de modo bandido, o mundo de quem não leva a vida e a rua à sério.

Leia mais em:http://blog.clickgratis.com.br/reiscordeiro/535333/SOU+BANDIDA%2C+SOU+SOLTA+NA+VIDA..html#ixzz2Un2Qny14

Botemos o bloco na rua - Marcha das Vadias 2013: Dia 09 de junho às 09 horas da manhã na Pç. Universitária - mais detalhes, aqui:

sexta-feira, 24 de maio de 2013

PARA MILITÂNCIA DO GOVERNADOR MARCONI PERILLO "É MELHOR FECHAR A UEG"

A política em Goiás é baseada em estruturas conservadoras, fruto ainda do coronelismo e de uma visão tradicional. A capacidade de mudança é mínima, pois a própria população tem uma visão clientelista.

No facebook militância digital do governador Marconi Perillo responde críticas feitas por alunos da Universidade Estadual de Goiás ameaçando e argumentando ser melhor fechar a UEG. Dois dias depois estão deletadas as críticas e as o argumento ameaçador, nenhuma novidade em se tratando da relação estabelecida entre um governo e seus críticos.
Desde que a Operação Monte Carlo desbaratou esquema de exploração de jogos ilegais e corrupção em Goiás e no Distrito Federal revelando forte influencia do bicheiro Carlinhos Cachoeira no governo do Estado de Goiás toda e qualquer crítica ao governador e aos atos do governo é tratada como calúnia, difamação que devem ser judicializadas. A liberdade de expressão, o avanço e a consolidação dos princípios democráticos em Goiás parecem comprometidas. Como as evidências abaixo parecem demonstrar:
- Nota do sindicato dos jornalistas contra a intimidação de jornalistas, aqui.
- Lista dos jornalistas processados, aqui.
- A defesa da judicialização foi feita pelos secretário Joaquim de Castro, leia aqui. E também pelo advogado do governador João Paulo Brzezinski, aqui. Vale lembrar que Brzenzinski teve seus bens retidos pois é suspeito de participação, junto com os ex-reitores José Izecias, Luiz Arantes e o ex-prefeito de Anápolis Pedro Saihum, em esquema de desvios de verbas da UEG, aqui.
- Mauro Marlin expõe a ambiguidade no discurso do PSDB sobre a liberdade de imprensa, aqui.
- Em blog de militantes do governador Marconi, afirmam que não há processo contra jornalistas, mas sim militantes, aqui.

A arrogância dos que apoiam o governo do "Avança Goiás" parece não ter limites, e alguns comentários nas redes sociais são sintomáticos. Ontem, 23 de maio, por volta das 20hs, a "Militância Digital que apóia o governador" e mantém a página Marconi Perillo Governandor no Facebook publicou uma foto com a mensagem: "A nossa missão é proteger o futuro dos jovens goianos", aqui.
Logo após a publicação alguns comentários apoiaram, outros criticaram a mensagem, que também foi compartilhada por algumas dezenas de seguidores. Porém, o que mais chamou a atenção foram as respostas dadas pela "militância digital" à crítica feita por alunos da UEG, onde desde o dia 25 de abril têm paralisadas as atividades em algumas unidades que aderiram à Greve Geral - mais informações, aqui.
As respostas já foram deletadas. A "militância" que respondeu aos críticos dizendo que se a mobilização na UEG e principalmente a inserção de críticas na página do Governador continuassem a Universidade Estadual de Goiás seria melhor fecha-la. O argumento ameaçador defendeu, ainda, que o fechamento da UEG contribuirá com mais verbas para o programa Bolsa Universitária.
Pelo jeito a militância defende a perspectiva do falecido ex-ministro da educação de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Renato de Souza - Idelber Avelar apresenta o que a grande mídia não falou do ex-ministro, aqui. A perspectiva é a neoliberal, onde é igual mercado e não um direito. Uma lógica que o Ministério da Educação da era Lula e Dilma parece ter mantido, apesar da ampliação do ensino público superior e dos institutos federais e dos concursos públicos ligados a tal expansão, um panorama aqui.
Vejamos o que disse a "militância digital":

Na sequência reafirmam a ideia de que é melhor fechar a UEG. Como se não houvesse mérito em quem escolhe fazer um curso nessa instituição. Para a militância digital o mérito é uma prerrogativa apenas dos bolsistas que estudam em faculdades particulares. Seriam os militantes bolsistas? Conquistaram a bolsa por mérito ou clientelismo? 
Percebe-se que não entendem nada de UEG. 
Vale lembrar que Marconi se arvora a ser o pai da UEG, porém, o que fez foi oficializar uma ideia gestada nas faculdades municipais e estaduais isoladas. Havia um desejo de professores da Uniana, da Feclem, entre outras, de criar uma universidade estadual. Porém, astuto o "Tempo Novo" percebeu que  tal projeto daria visibilidade e destaque para o projeto de distanciamento dos antigos governos do PMDB - partido de onde saiu Marconi - e serviria para consolidar a ideia de governo moderno. Porém, o que se viu foi a criação de um monstro. Sem planejamento, abriram-se unidades e polos da UEG ao bel prazer dos acordos entre governo estadual com alguns prefeitos, enfim, os critérios parecem ter sido clientelistas - hoje são 42 unidades.
Goiás à fora diversos cursos funcionaram e ainda funcionam de maneira precária, sem laboratórios, com bibliotecas defasadas, sem professores e servidores efetivos - os salários para temporários são uma vergonha e nem um pouco atrativos, alguns cursos funcionam sem o quadro completo -, ainda que haja uma promessa de concurso para esse ano não haverá uma mudança tão significativa. Para se ter uma ideia existem professores e servidores em contrato temporário que estão a mais de 12 anos na UEG.
Os comentários tornam-se ainda mais simbólicos porque são publicados em um momento em que alunos, servidores e professores em greve bloqueiam rodovias em vários pontos de Goiás, vejam aqui
Percebe-se que realmente há uma preocupação com o futuro dos jovens de Goiás, mas daqueles jovens que participam da militância em apoio ao governo, aos filhos dos correligionários, à base de apoio, aos puxa-sacos e bajuladores.
A pergunta que fica é: até que ponto esta perspectiva da militância é também a do governo de Marconi Perillo?
Aos que criticam e se opõem a esse estado de coisas deplorável sobram ameaças, processos... fico a imaginar Brzezinski como desembargador, tétrico!!!!

segunda-feira, 13 de maio de 2013

TREZE DE MAIO DE 2013: negros, sujeitos abolicionistas


Escravo lendo sobre a campanha abolicionista - Angelo Agostini 

O treze de maio, como no caso do sete de setembro, foi transformado em um evento despido de qualquer radicalidade e conflito. Assim, as elites políticas e intelectuais nos legaram uma memória da abolição da escravidão como um feito da ousadia e consciência de abolicionistas e de uma princesa. Tal construção legou ao esquecimento as ações daqueles a quem realmente interessava a liberdade. Vários trabalhos já contestaram as perspectivas que negaram aos escravizados e aos negros libertos a participação nas lutas pela liberdade. Destaco trecho de uma obra que nos ajuda a ampliar a visão sobre os sujeitos históricos envolvidos no processo abolicionista e que não sei porque cargas d'água quase não se encontra presente nas narrativas dos atuais livros didáticos de História:

"Enquanto os anos [1870] revelam-se marcados pelos crimes feitos individualmente ou em pequenos grupos de escravos, os primeiros anos da década de 80 primam pelas revoltas coletivas ou insurreições, registradas em fazendas de diversos municípios.
[...] 
À medida que cresciam as fugas em massa das fazendas, sobretudo a partir dos últimos meses de 1887, radicalizava-se o movimento abolicionista nas cidades, em especial nos centros mais populosos, como Santos e São Paulo.
Ao contrário do que os abolicionistas do jornal paulista A Redempção estavam sempre a reafirmar - a fraca participação dos negros nesse movimentos -, os relatórios de 1887 e 1888 dedicam grandes espaços não só às fugas de escravos e conflitos nas áreas rurais, como também às lutas de negros com a polícia nas ruas das cidades.

'[...] os pretos que, no dia anterior, haviam provocado a força pública voltaram à carga, já desafiando as praças de polícia... Vendo-se, porém, que o tumulto aumentava e com ele o número de negros, que erguiam vivas à liberdade e morras aos escravocratas, estabelecendo desta forma o pânico entre as famílias que estavam no jardim do Palácio, mandou-se que os portões de entrada fossem guardados por praças de Cavalaria...
Assim impedidos de penetrarem no jardim, os desordeiros lançaram então mão de outro expediente, qual o de utilizarem-se das pedras que achavam-se em frente à nova Tesouraria, para arremessá-las contra as praças que guardavam os portões, e o mesmo fizeram aos soldados que nessa ocasião tentaram prender dois dos desordeiros que, de cacete, acometiam a força...' (Relatório do Chefe de Polícia Interino da Província de São Paulo, 30 de novembro de 1886)

Para que os interesses do capital saíssem intatos desta época de instabilidade geral das relações de produção, era preciso, portanto, firmar-se uma união nacional...
No início de maio de 1888, os políticos dos três partidos - Liberal, Conservador, Republicano, aos quais se filiavam escravistas, emancipacionistas e abolicionistas indistintamente - deram-se as mãos num consenso quase absoluto e votaram a Lei de Abolição, clamando em meio a loas e hinos à pátria pela conciliação, o que queria dizer esquecimento dos conflitos passados e sobretudo não-revanchismo."

In: AZEVEDO, Celia Maria M. ONDA NEGRA, MEDO BRANCO: o negro no imaginário das elites - século XIX. RJ: Paz & Terra, 1987, pp. 199-215.