sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

EM TORNO DA INDÚSTRIA DA CULTURA

Não creio ser pedante apresentar uma correção feita por Flávio Khote para uma noção vulgarmente difundida quando se propõe a analisar produção artística e cultural na contemporaneidade.
"A sociologia usa a expressão "indústria cultural", que neutraliza o sentido crítico de "Kulturindustrie", "indústria da cultura", usado por Adorno e Horkheimer em 1947, no livro Dialektik der Aufklaerung, Dialética do iluminismo (também mal traduzido como "Dialética do esclarecimento"). O termo "indústria cultural" sugere que a indústria "é" cultural, mas o sentido original é que a industrialização da cultura, em que esta é confundida com a mercadoria, constitui um ataque à cultura, reduzindo-a à diversidade e à banalidade". Flávio R. Khote. Nota do tradutor. In: (sel.; trad.) NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos finais. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2007, p. 15.
Ainda que esclarecida a confusão, me arrisco a dizer que na perspectiva 'frankfurtiana' certamente no Brasil estaríamos reduzidos à arte menor, à cultura banal e diversa. Em volta da questão da indústria da cultura alguns textos recentes circulam pela internet e aguçam a reflexão.
Mino Carta em editorial da revista Carta Capital critica o que chama de imbecilização do Brasil, mais do que discutir a produção artística, o jornalista coloca a grande mídia, sobretudo Globo e Veja como as grandes vilãs nesse processo. Ao que parece o espectro adorniano ronda a análise de Carta: 
O deserto cultural em que vivemos tem largas e evidentes explicações, entre elas, a lassidão de quem teria condições de resistir. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-imbecilizacao-do-brasil/
A também jornalista da revista Carta Capital, Cynara Menezes, respondeu Mino Carta defendendo uma perspectiva para arte que questiona a ideia de deserto cultural e imbecilização do Brasil. A socialista morena já se distancia da perspectiva iluminista adorniana para defender a ideia de que do "lixão nasce flor", retomando metáfora que finaliza texto de Carta:
Nos últimos anos, uma nova cultura está surgindo, mas é preciso ter olhos para vê-la. É forte a cultura que vem da periferia e cada vez mais será. http://www.socialistamorena.com.br/em-que-tipo-de-arte-voce-acredita-ou-a-imbecilizacao-da-elite/
Outro texto é uma entrevista muito interessante do antropólogo Hermano Vianna, que diferente da socialista morena não crê na ideia de inclusão para falar em arte e cultura, e se posiciona em uma perspectiva relativista: 
Constantemente me pego fazendo coro para Hêmon brigando com seu pai Creonte, em Antígona: "Guarda-te, pois, de te apegares a um só modo de pensar, crendo que o que dizes, e por seres tu que o dizes, exclui qualquer outra possibilidade de ver e sentir as coisas". Não tem quem me convença que há um fundamento estético único a partir do qual podemos decretar o empobrecimento ou o enriquecimento das criações humanas. Mas digamos que há: então encontro no funk muitos elementos que o tornam superior a uma sub-MPB que tentam me empurrar como música de qualidade. O tamborzão do funk salvou a música brasileira na virada do século 20 para o 21. É vanguarda mesmo, concretismo eletrônico afro-brasileiro. Mas para quem acha que hip hop não é música, ou que Stockhausen não é música, o que estou falando é delírio. Um consolo é saber que a produção da gravadora Motown um dia foi considerada por todos os críticos como lixo comercial sem futuro. http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-abacaxi-da-cultura,995433,0.htm
Entre essas reflexões cada uma ao seu modo tem trechos que me desagradam e outros que me aprazem, mas sobretudo contribuem ao seu modo para que eu amadureça um estudo sobre culturas políticas do rap no Brasil e em Cuba durante os anos 1990.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O RÁDIO NÃO ACABOU COM A FAMÍLIA


Se hoje o casamento gay é tido como uma ameaça a família, na primeira metade do século XX, para Mário de Andrade, o rádio era a ameaça:
"Na sociedade contemporânea, com a ascensão do proletariado e da pequena burguesia a ele adesiva, os dois grandes instrumentos musicais do nosso tempo, vitrola e rádio, especificamente popularescos, mostram a definitiva derrota da vida familiar (substituição do piano - família, pelo rádio = colectividade popularesca) como princípio básico da sociedade".   Mário de Andrade em carta para Oneyda Alvarenga, 1940 (Apud, QUINTERA-RIVERA, Mareia. A cor e o som da nação: a idéia de mestiçagem na crítica musical do Caribe hispânico e do Brasil (1928-19480). São Paulo: Annablume/FAPESP, 2000, p.119)
As primeiras transmissões radiofônicas no Brasil ocorreram em 1922, no link a seguir o site de Magali Prado - certamente o mais completo sobre a história do rádio no Brasil: http://www.historiadoradionobrasil.com.br/
Nos 90 anos de rádio no Brasil o Observatório da Imprensa realizou um programa especial, que conta com a própria Magali Prado e outros especialistas, além de gente que ajudou a fazer o rádio no Brasil. Vale a pena ser visto: 
Enfim, o rádio não acabou com a família - inclusive algumas famílias foram formadas através da mediação radiofônica -, e nem as transformações tecnológicas acabaram com o rádio. Certamente a família e o rádio não são os mesmos da década de 20 do século passado, transformações inevitáveis, pois nada é constante entre o céu e a terra, sobretudo quando se trata de produtos humanos. 
Aliás, se Mário de Andrade, um homem de sexualidade indefinida, vivesse nos dias de hoje, caracterizados por uma moralidade mais maleável, possivelmente não faria ressalvas ao casamento gay e quiçá defenderia o rádio analógico contra o rádio digital pela preservação da qualidade sonora.